Ministérios Públicos Federal e Estadual enviaram ofício e recomendação para a Câmara de Vereadores e Prefeitura de Rio Branco para que proposta não seja aprovada. PL quer proibir pais de levarem filhos para paradas LGBTQ+ em Rio Branco
Quésia Melo/ G1
É inconstitucional, segundo o Ministério Público, um projeto de lei apresentado na Câmara de Vereadores de Rio Branco que quer proibir a participação de crianças e adolescentes em paradas do orgulho LGBTQIAP+ na capital acreana.
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A proposta, apresentada na terça-feira (18), quer impedir menores de 18 anos de participarem do evento e estabelece multa de R$ 10 mil por hora e responsabiliza a organização do evento e pais, caso as regras sejam descumpridas.
Na justificativa, o autor do projeto, João Marcos Luz (PL), alega que a participação de menores na parada iria de encontro ao Estatuto da Criança e do Adolescente. Comparando a manifestação popular com entrada em bares e casas noturnas.
A matéria gerou reação do Ministério Público Federal que encaminhou à presidência da Câmara um ofício enfatizando que foi aberto procedimento administrativo para acompanhar a situação e uma fazendo uma exposição de motivos pelos quais o texto não pode ser aprovado pela casa legislativa.
“A proposta viola preceitos e normas constitucionais, a pretexto de supostamente proteger crianças e adolescentes, porque faz proibição da participação de crianças em quaisquer eventos realizados pela comunidade LGBTQIA+ (censura prévia e proibição discriminatória), cujo efeito afeta à garantia de crianças e adolescentes de acessarem espaços públicos e manifestações diversas, necessárias e condizentes com sociedade plural e democrática”, estabelece o documento assinado pelo procurador da República, Lucas Dias.
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O MPF explica ainda que a homotransfobia é crime no Brasil e o PL apenas reforça o ‘discurso de ódio’ de grupos extremistas.
“[O PL] se assenta nos estigmas sobre homossexuais que circulam na sociedade, estereótipos que representam membros do grupo como predadores sexuais, como indivíduos moralmente degradados, como violadores da ordenação divina, como pessoas que se comportam contra a ordem natural”, denuncia o documento.
Em outro ponto, o procurador enfatiza que crianças com acesso à educação sobre a sexualidade, chances menores de se tornarem ‘potencialmente vulneráveis a coação, abuso e exploração sexual’.
MPF e MPAC se manifestaram contra proposta
Quésia Melo/ G1
MPAC emite recomendação à prefeitura
Quem também se manifestou contra o projeto foi o Ministério Público do Acre (MP-AC), que se antecipando a uma eventual aprovação na Câmara, emitiu uma recomendação para que o texto seja vetado pela Prefeitura de Rio Branco.
Em nota, o MPAC disse que a “medida visa assegurar o direito humano à diversidade sexual e prevenir qualquer forma de discriminação”.
Ahac se manifesta
O PL gerou ainda reações de movimentos civis ligados aos direitos LGBTQ+. A Associação dos Homossexuais do Acre (Ahac) emitiu nota de repúdio em que argumenta o teor discriminatório do parecer. (leia completa abaixo)
“A Associação de Homossexuais do Acre (AHAC), instituição que organiza as Paradas do Orgulho LGBT+ do Acre, nunca realizou nenhuma Parada do Orgulho LGBTQIA+, que viesse expor crianças e adolescentes a situações que o PL menciona. Certo é que o vereador homofóbico, deseja conseguir mídia com essa exposição em ano eleitoral e escolheu a Parada do Orgulho LGBTQIA+ como sua bandeira de luta de seu mandato”, diz o manifesto que acusa ainda a ideia de ser discriminatória.
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NOTA DE REPÚDIO
A Associação de Homossexuais do Acre (AHAC), vem a público repudiar a apresentação do Projeto de Lei, de autoria do vereador João Marcos Luz, que dispõe sobre a proibição de participação de crianças e adolescentes na Parada do Orgulho LGBTQIA+, apresentado na câmara municipal de Rio Branco, nesta terça-feira dia 18 de junho de 2024.
Em março, a Fundação Abrinq lançou o Cenário da Infância e Adolescência no Brasil 2024, publicação atualizada anualmente com dados públicos que refletem a realidade das crianças e dos adolescentes no país, incluindo aqueles relacionados à violência sexual.
De acordo com os dados obtidos pela Fundação Abrinq, a violência sexual no país é um problema que afeta maioritariamente as crianças e os adolescentes. Em 2022, por exemplo, das 62.091 notificações recebidas, mais de 45 mil tinham como vitima pessoas com menos de 19 anos de idade. A proporção corresponde a 73,8% – isto é: em média, a cada quatro casos de violência sexual no Brasil, em três a vítima é criança ou adolescente.
O Cenário da Infância e Adolescência no Brasil 2024 também identificou que, entre as notificações de violência sexual ocorrida contra crianças e adolescentes, a maioria das vitimas são do sexo feminino. Em 2022, foi constatado que as meninas abusadas corresponderam a 87,7% dos casos de violação ocorridos no país.
Além disso, a publicação verificou dados interessantes sobre a localidade em que a violência ocorre: em 68,7% dos casos, ou seja, na maior parte, o abuso ocorreu no ambiente residencial. Outros locais relevantes são a escola e as vias públicas, que figuraram em 3,9% e 5,3% das notificações em 2022, respectivamente.
Durante o mês de maio deste ano, diversas iniciativas aderiram à campanha do “Maio Laranja”, de conscientização e combate ao abuso e à exploração sexual infantil no Brasil. Neste periodo, polêmicas em torno da temática do abuso infantil praticado por líderes religiosos ganharam destaque nas mídias digitais, e provocaram indignação e questionamentos sobre a verdadeira extensão desse problema.
Casos de abusos infantis infelizmente acontecem na sociedade nos seus mais diferentes seguimentos. A visibilidade crescente desses casos pode ser atribuida, em parte, ao aumento da conscientização pública e das denúncias, e ao poder das redes sociais em disseminar informações rapidamente.
Já existe legislação federal como o Estatuto da Criança e do Adolescente, que regulamenta a participação de crianças e adolescentes em eventos públicos. É explicito que o projeto e de cunho racista quando vem justificar com teor discriminatório a Parada do Orgulho LGBTQIA+ do Acre, adjetivando com situações nunca ocorridas desde 2005, nas edições das Paradas do orgulho LGBTQIA+.
A Associação de Homossexuais do Acre (AHAC), instituição que organiza as Paradas do Orgulho LGBT+ do Acre, nunca realizou nenhuma Parada do Orgulho LGBTQIA+, que viesse expor crianças e adolescentes a situações que o PL menciona. Certo é que o vereador homofônico, deseja conseguir mídia com essa exposição em ano eleitoral e escolheu a Parada do Orgulho LGBTQIA+ como sua bandeira de luta de seu mandato.
O que não trabalhou enquanto vereador, quer agora se aparecer às custas das pessoas LGBTQIA+ em época eleitoral. Deveria trabalhar para coibir que estupradores parem de violentar crianças e adolescentes dentro das suas casas, na própria familia, incluindo até envolvimento de líderes religiosos. Importante seria que o vereador viesse estudar e se informar que não são nas Paradas do Orgulho LGBTQIA+ do Acre, que vem acontecendo essas barbáries contra as crianças e adolescentes.
Pedimos as autoridades constituidas e responsáveis nas suas diferentes esferas que fiquem atentas a projetos que vão de encontro com a diversidade, os direitos já estabelecidos e a qualquer ato de preconceito, discriminação, ou de desserviço que promovam o retrocesso cultural e ideológico da população acreana.
Por fim esperamos enquanto Associação de Homossexuais do Acre, instituição que já perdura e luta pelos direitos humanos há de duas décadas que todo e qualquer ato grotesco e arcaico seja avaliado pela atual gestão municipal com afinco e seja vetada de forma veemente.
Associação de Homossexuais do Acre – AHAC
Rio Branco – Acre, 18 de junho de 2024.